O filme do cineasta argentino Pablo Trapero (Leonera) joga o espectador logo de início num cenário de guerra. Em algum lugar perdido nos rincões da floresta amazônica paramilitares promovem uma chacina. Eles procuram por um homem que se esconde na mata e observa o massacre dos indígenas sem poder intervir. O alvo dos guerrilheiros escapa, se recupera e vai parar na Argentina. O cenário agora é urbano, mas a guerra continua sendo o pano de fundo da história de Elefante Branco. Conflitos dos mais diversos vividos por seus protagonistas, os padres Julián (Ricardo Darín) e Nicolas (Jérémie Renier) e a assistente social Luciana (Martina Gusman).
Nicolas é o homem alvo das FARCs que vemos no início do filme. Depois de ter seu trabalho religioso e social interrompido violentamente na floresta, é convidado a trabalhar numa comunidade carente da Argentina pelo padre Julián. O lugar, que dá nome ao filme, é uma favela surgida no entorno de uma edificação gigantesca inacabada, um prédio abandonado onde seria construído o que seria o maior hospital da América Latina. É neste cenário de vielas e becos, onde a criminalidade grassa, ambiente bem conhecido dos brasileiros, que Trapero lança seu olhar sobre este universo à parte dentro das grandes metrópoles. Mas, ao contrário do que costumeiramente ocorre nas produções brasileiras sobre o tema, Elefante Branco não recai no reducionismo da elites intelectuais e no discurso político demagógico.
O roteiro de Alejandro Fadel, Martín Mauregui, Santiago Mitre e do próprio Trapero entrelaça com destreza conflitos sociais e individuais. A favela é dominada por dois traficantes rivais que disputam território em conflitos sangrentos. Para suas fileiras, agrupam crianças e adolescentes que Julián, Nicolas e Luciana tentam livrar do mundo das drogas e da criminalidade. Uma batalha diária que parece difícil de ser vencida, cujos inimigos não são apenas os criminosos, mas também o poder público ausente que, quando se manifesta, é pelo uso da força de seus agentes de segurança.
Elefante Branco humaniza seus personagens, algo que o cinema argentino faz muito bem. Dilemas éticos e dúvidas permeiam o dia a dia dos protagonistas, que não são tratados como mártires apesar da nobreza de suas intenções. O padre Julián se sente cansado, desmotivado e teme perder o interesse pela comunidade. A abnegada Luciana pensa em desistir de tudo diante do pouco êxito de suas ações para a conclusão de um projeto de habitação refreado pela burocracia estatal. Nicolas se vê dividido entre continuar o trabalho de evangelização começado pelo padre Júlian ou abdicar de sua vocação sacerdotal para ter uma vida comum.
O longa é uma grande homenagem e também um mergulho na vida dessas pessoas que se entregam de corpo e espírito a ajudar seus semelhantes. É elogiável a sobriedade estética e narrativa de Trapero, que permeia seu filme de muita credibilidade e respeita seu espectador dando margem e tempo para que este avalie e reflita sobre o que vê na tela. Elefante Branco faz dura crítica à apatia dos governantes, à truculência policial, à hierarquia religiosa e ao discurso cristão-marxista quimérico de luta e justiça social. Tudo num tom distante do blablablá panfletário recorrente em produções brasileiras do gênero. Temos muito que aprender com os hemanos nesse sentido.