quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Blog do Tear Entrevista: Psicólogo Bruno

Hoje continuaremos nossa sequência de entrevistas e elegemos um dos nossos membros que recentemente teve uma experiência internacional. O Bruno, psicólogo e residente do programa de residência em saúde mental da UNICAMP, que no mês de agosto fez estágio de 1 mês na Argentina, na cidade de Rosário.

Blog do Tear (BT): Bruno, você esteve na Argentina e queria saber se você foi para um serviço específico ou para a rede de saúde no geral? 

Bruno (B): Fui inicialmente para visitar os serviços da atenção básica de saúde e terminei por visitar muito mais serviços que planejei. Visitei na maior parte serviços de saúde mental, mas também outros serviços da rede saúde de Rosário. Ao todo fui em uns 15 serviços.

BT: Com relação ao transporte você andou muito de carro, de Escort Argentino? Ou usou outro meio de transporte?

B: Diferentemente de Campinas, o transporte público em Rosário funciona muito bem e não é caro. Enquanto pagamos aqui R$ 4,50 lá o ônibus custa 10 pesos (Que vale R$ 2,00). A maioria das pessoas usa ônibus e o transporte é de boa qualidade. Normalmente não é necessário ficar trocando de ônibus para ir de lugar ao outro.

BT: Mas a cidade é pequena lá? 

B: Não é não tem aproximadamente 1 milhão e 500 mil pessoas em Rosário. É a terceira maior cidade da Argentina.

BT: Como você foi até lá?

B: Fui de avião, apesar de querer ir de carro porque a viagem é muito bonita, tive que ir assim porque ia ser muito caro viajar em carro. A distância é mais ou menos 1700 kilometros. O interessante é que apesar da distância parecer longe é quase a mesma distância entre a cidade São Paulo (SP) e Salvador na Bahia.

BT: Como são os serviços públicos lá? Tem Sistema Único de Saúde (SUS)?

B: Lá na Argentina, infelizmente não tem SUS, eles não tem um sistema nacional de saúde. A população argentina vive o que vivíamos no Brasil nos anos 80, por exemplo. Quem tem acesso ao atendimento de saúde gratuito são as pessoas que tem carteira assinada. E, assim, somente aqueles que tem dinheiro para pagar é quem atendimento gratuito garantido pelo estado de forma nacional. Mas, Rosário, é uma exceção a essa regra porque lá há aproximadamente 20 anos devido ao governo da província de Santa Fé (Estado onde fica a cidade de Rosário) que assumiu a responsabilidade de prover atendimento gratuito a população e estrutura um sistema de saúde provincial que funciona para atender a população da região de Santa Fé.

BT: Nossa isso é impensável né?

B: Sim, é triste, mas essa é a realidade deles Rosário é uma exceção o sistema de lá não funciona para todo o país. E acho que a gente tem que ter isso em mente porque vemos hoje as ameaças que o SUS sofre e temos que defendê-lo, pois, se não ficarmos atentos ele pode ser tirado de nós novamente.

BT: E como é o atendimento em saúde mental? Ainda tem hospital psiquiátrico?

B: Olha gente, vi coisas problemáticas lá. Lá ainda existem muitos hospitais psiquiátricos. Visitei 2 hospitais um em Rosário com capacidade para internação de até 70 pessoas e outro na zona rural próxima a cidade de Rosário ainda maior onde haviam 200 pessoas internadas. Foi muito triste ver isso gente, fiquei muito abalado. Já tinha visitado hospitais em São Paulo, quando era estudante de psicologia, mas para mim a experiência que vivi lá foi muito mais chocante. Vi pessoas que estavam internadas há muitos anos e que poderiam estar fazendo seu tratamento em liberdade porque, inclusive, conseguimos fazer isso no Brasil. Vi muitas pessoas nuas perambulando pelo hospital, pessoas nuas amarradas em contenção física e hipermedicadas. O que me impressionou negativamente foi a atitude dos profissionais. A maioria dos profissionais que conheci nos hospitais, defendiam que aqueles usuários internados não teriam condição de fazer tratamento em liberdade e achavam que eles tem que fazer o tratamento internados. E eles estão lá há muitos anos. Ainda tem muito preconceito com o usuário de saúde mental, muita gente lá acham que eles são perigosos e tem que ficar internados.
Os serviços que cuidam de pessoas com uso de Álcool ou Outras Drogas são muito interessantes. Trabalham a partir do paradigma de Redução de Danos e com "Baixo nível de exigência" aos usuários. Ou seja, não se pede muito dos frequentadores. Articulam rede, oferecem aulas e oficinas, bolsas de ofício, dentre outros.


BT: Mas o tratamento em Saúde Mental por lá é só baseado em Manicômios?

B: Não, não só. Eles também tem serviços comunitários como Centros de Saúde, que lá são bem estruturados e outros Serviços de Saúde Mental. Visitei um Centro Cultural (Centro de Convivência) que tinha atividades artísticas e culturais. Era bem interessante. O que me espantou foi a falta de trabalhos mais efetivos na comunidade. A maior parte dos atendimentos é ambulatorial, de consultório e há poucas ações como as de saúde da família e psicossociais como as que temos aqui no Brasil, a partir dos nossos Centros de Saúde e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

BT: E sobre Rosário e a Argentina o que você diz?

B: Você sabe que essa fama de que os Argentinos é um povo metido não é verdade. O que os próprios Argentinos dizem é que há uma diferença entre os Portenhos (População de Buenos Aires, a capital) e o restante do país. Em Rosário eles, inclusive, acham que os portenhos são "metidos". O que eu percebi em Rosário é que lá eles são muito solícitos, educados e atenciosos. Nos trataram muito bem e gostavam muito do Brasil, muitas pessoas que moram lá já visitaram o Brasil. A cidade é muito bonita, com construções históricas preservadas e cuidadas. Também achei muito interessante o fato que eles por lá em muitos lugares param o expediente produtivo entre 12h às 16h todo o dia. E lá o que vemos muito são as pessoas nos parques e praças nesses momentos desfrutando a vida. Isso foi muito importante porque me fez refletir sobre o estilo de vida que temos aqui onde quase nunca paramos para aproveitar mais a vida e o trabalho nos ocupa muito tempo. Outra questão que me chamou a atenção foi o fato deles serem muito politizados. Eles diferentemente da maioria dos brasileiros entendem que somos todos parte da América Latina e temos muitos aspectos culturais semelhantes. Eles vivem conflitos parecidos com o Brasil e alternam entre governos de esquerda e direita. Governos que investem mais nas políticas sociais que atendem a população e suas necessidades e outros governos que, como o atual Governo da Argentina, do Macri, e do Brasil, do Temer, que estão mais voltados para interesses particulares e para atender interesses da elite dominante, das empresas ou do mercado capitalista.







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