quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Um aprendizado com a trajetória de Toninha


Hoje entrevistamos a funcionária Maria Antônia, "Toninha", em sua última semana de trabalho aqui no Tear das Artes, depois de 11 anos conosco. Toninha é uma das funcionárias com mais tempo de casa, aqui no Tear das Artes. Toninha é um patrimônio imaterial da rede de Saúde Mental de Campinas.

Blog do Tear - Como é a experiência de se aposentar?

Toninha - Foi muito difícil quando decidi sair do Tear. Há 11 anos eu trabalho aqui. Então se aposentar tinha dois lados, um lado bom e um lado mais difícil. Eu passei mais tempo aqui do que em casa, muitos dias.
As pessoas que trabalham aqui são muito especiais, me acolheram muito, e eu acolhi também novos que chegaram. A troca entre nós foi muito importante: ensinei mas aprendi muito com a equipe. O Rodrigo, temos uma história já de longa data. Me acolheu muito bem.
Com o passar dos dias, essa dor foi diminuindo, e eu fui pensando: "meu dever foi cumprido. São outros ciclos... Agora é ver a família, conversar com os vizinhos, que quase nunca tenho tempo. Agora estou alegre, sabendo que eu fiz meu melhor aqui.
 Espero que Deus me ajude a concretizar outras coisas. Não tenho muitas pretensões, mas viver outras coisas que a vida pode oferecer.
 
Blog do Tear - Você fez um trabalho brilhante. Mas dedicar a vida só à família, é delicado.

Toninha - Acho que para os homens é mais complicado. Depois que eles se aposentam, na nossa sociedade, não tem muito o que fazerem. As mulheres, nunca param. Tem a família, a casa, outras coisas para cuidar. Tenho um vizinho, por exemplo, que varre a frente das casas na rua. É só um exemplo, mas ele diz que isso é a rotina dele e organiza o dia a dia.


Blog do Tear - Hoje tem também muitas possibilidades de programas para a terceira idade.

Toninha - Também acho. O que não dá é a gente se acomodar muito. Meus filhos, por exemplo, não moram perto. Quem mora comigo é minha mãe.

Blog do Tear - Às vezes as famílias colocam a avó para cuidar dos filhos, ajudar na casa. Ou seja, tem muitas avós que só cuidam dos netos.

Toninha - Eu concordo. Isso acontece bastante, muitas colegas que eu converso falam isso. Acho que isso não pode virar rotina. Eu fui muito ativa para que meus filhos fizessem suas famílias, e vivessem suas vidas.


Blog do Tear - Toninha, a gente percebe que você sempre trata todos os usuários com muito respeito e tranquilidade. Como foi vir trabalhar em um serviço da saúde mental?

Toninha - Minha chegada aqui foi uma surpresa. Eu quando cheguei aqui tratei as pessoas sem barreiras, sem ver doença nem nada, assim que eu tratei os usuários. Eu não sabia que as pessoas tinham problemas de saúde, então acho que isso ajudou muito. Uma vez eu estava lavando alguns panos lá fora, e um usuário chegou e me disse "Você sabe que eu já morei nos Estados Unidos? Eu jogava no Yankees (time de futebol americano). E eu tive alguns problemas na perna, e ganhei muito dinheiro." Eu fui mais ouvindo, do que falando qualquer coisa. E eu tinha morado seis anos nos Estados Unidos. Então, mais tarde, vim almoçar e comentei isso com a coordenadora do Tear na época. Ela começou a rir, e disse "Não, Toninha, na verdade não tem nada disso." Então eu sempre ouvi o que me diziam.


Blog do Tear - Toninha, tem uma dimensão sua, a da Maria Antônia, que aparece mais para as pessoas que tem mais amizade com você. Você é uma pessoa polivalente, que faz muitas coisas. Como você começou com as Práticas Integrativas?

Toninha - Quando eu cheguei no Tear, a coordenadora me deu algumas oportunidades. Eu entrei para limpar e cuidar do Tear, como zeladora. Eu não gosto da mesmice, se eu posso fazer outras coisas, eu vou querer. Então comecei na culinária, ajudando, me integrei bastante na cozinha. Por 3 anos eu era responsável por limpar a cozinha. Era a primeira tarefa do dia: eu limpava tudo, panos, fogão, etc... Os meninos da cozinha chegavam e já estava tudo limpo. Um dia me disseram "A cozinha não é serviço seu." Quem devia limpar a cozinha, era o próprio grupo de culinária, que já fazia os pastéis.


Um tempo depois, chega o Rodrigo. Ele me convida para fazer o alongamento. A princípio eu neguei, mas peguei muito gosto pela atividade. Me divertia muito, e não queria parar de fazer. Isso foi crescendo, bastante gente vinha. O Rodrigo, um dia, me disse que ia sair do Tear das Artes, e iria para outro cargo. Eu fiquei muito triste, pela saída dele e pelo fim do grupo. E então ele me disse "Não, vai continuar. Você pode continuar com a ginástica, conduzindo!" E eu continuei... Minha relação com essas pessoas era muito boa, gosto muito das pessoas mais idosas. Eu mantinha um livro, com o nome das pessoas e os telefones. Um dia eu contei, e eram mais de 200 pessoas, que já tinham frequentado a ginástica. Isso foi antes de fazermos ali no shopping, era aqui mesmo no Tear.

Quando o Tear foi assumido pela Prefeitura, a nova coordenadora me disse que essas atividades e outras que eu fazia, eram disfunção, em relação ao cargo que eu fui contratada. Foi uma pena. Eu entendi que eu não poderia fazer algumas atividades, mas foi muito doloroso. Até hoje as senhoras lembram desse grupo.

Blog do Tear - Você também conheceu o Prefeito Toninho, se puder nos contar um pouco.

Toninha - Eu trabalhei como copeira no gabinete do Prefeito, na Prefeitura de Campinas. Peguei a administração do Francisco Amaral e do Toninho. O Toninho era uma pessoa muito especial. Me tratava muito bem. Chegava primeiro o guarda, depois eu, e depois o Prefeito, de terno e tênis. Tenho muitas histórias dele. No último gabinete ele deixava a porta aberta.
Quando eu disse que iria embora para os Estados Unidos, ele me fez uma carta, assinada, para me ajudar a conseguir emprego.

Blog do Tear - Você passou um tempo no estrangeiro. Você pode nos contar disso, e da sua volta?

Toninha - Eu fui para os Estados Unidos em um momento difícil da vida, durante minha separação. Minha irmã morava lá, e eu acabei indo.  O Toninho morreu no dia 11 de Setembro, no dia também que aconteceu o ataque às Torres Gêmeas. Foi um momento difícil: a tristeza no Brasil e também nos Estados Unidos.

Eu fiquei lá 3 meses desempregada, porque eu não falava inglês. Um dia saiu um anúncio no jornal que precisavam de uma empregada doméstica que falasse português. O casal era um homem estadounidense, judeu, e uma mulher nascida em Portugal. Os pais dela eram portugueses, e ela gostaria que os filhos aprendessem português, por isso fizeram o anúncio. Quando eu vi a casa, já quis voltar. Eu olhei e já pensei "Não vou dar conta...". Mas tinham outros funcionários. Fiquei 6 anos lá. Mas meu pai adoeceu e eu quis voltar.

A volta, com certeza, foi muito melhor que a ida. Reencontrar o país, a família, etc... Na semana seguinte que eu voltei, já comecei a trabalhar de diarista. Meu antigo chefe me ligou, um ano depois que eu voltei, dizendo que havia uma vaga no "Tear das Artes". E foi assim que eu cheguei aqui.

Blog do Tear - Toninha, você fará muita falta aqui no Tear. Obrigado pelo seu tempo e sua colaboração.

                                                                         (Toninha)




                                                 (Equipe do Blog do Tear com Toninha)




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