Por Bruno Cairos
A luta pela abolição da escravidão foi um movimento cívico, social e econômico muito amplo. O Brasil passou por uma comoção política muito intensa, como nunca na sua história. Foram dois dias de votação e debates ácidos na Câmara dos Deputados, entre os dias 11 e 13 de maio de 1888. Foram 83 votos a favor e 9 contra o fim do regime de trabalho escravo, prática que existiu oficialmente no Brasil por mais de 350 anos. A população estava engajada e muitos participaram de manifestações. Influenciados por intelectuais negros e brancos que há décadas buscavam sensibilizar a população para a Abolição. Dentre os quais, devemos destacar Luís Gama, José do Patrocínio e André Rebouças, grandes heróis negros. É importante ressaltar a forte resistência dos negros que formavam quilombos e organizavam fugas coletivas desde o século XVI.
Então, há 125 anos, num dia de domingo, três horas após a aprovação na Assembleia Geral, a Lei João Alfredo foi sancionada pela Princesa Isabel, então regente do Império, no Paço Imperial, situado na cidade do Rio de Janeiro. Imediatamente após a assinatura do documento, o deputado Joaquim Nabuco se dirigiu à sacada do palácio e comunicou às 5 mil pessoas que estavam concentradas na Praça XV: "não há mais escravos no Brasil!". Em seguida, Dona Isabel apareceu na janela e foi aplaudida pelos manifestantes. Desde esse dia, ficou conhecida como Lei Áurea, a lei que possui apenas dois artigos:
"Art. 1º É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil".
"Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário".
Foi no dia 13 de maio de 1888, quando o Imperador Dom Pedro II estava doente, fazendo tratamento na Itália, portanto demorou algum tempo para ele saber do acontecimento. Por telégrafo, a notícia foi disseminada gradualmente pelas províncias do Brasil, para a América do Norte e para a Europa (SENADO, 1888).
Mas quais os efeitos práticos que essa lei teve para a população negra no Brasil? O que aconteceu logo após a abolição? E o que vem acontecendo ao longo desses 125 anos que se passaram?
Vamos começar por analisar três leis que antecederam a Lei Áurea: a Lei Eusébio Queiroz, a Lei do Ventre Livre e a Lei do Sexagenário.
A Lei Eusébio de Queiroz foi promulgada pela Câmara do Deputados em 1831, ela proibia que pessoas estrangeiras desembarcassem no território brasileiro para serem escravizadas. Ou seja, a partir dessa data, todo indivíduo que chegasse da África ou de outros locais a bordo dos navios negreiros ao pisar em nosso país seria livre. O escravistas protestaram e nada mudou até 1855, quando o Parlamento da Inglaterra aprovou a Lei Bill Aberdeen que autorizou a Marinha Inglesa a afundar os navios negreiros brasileiros. Entre 1831 e 1855, com a conivência do Imperador e das autoridades brasileiras essa lei nacional foi desrespeitada, resultando no desembarque de 720 mil africanos, que aqui chegaram e foram escravizados ilegalmente (IBGE, 2000).
A Lei do Ventre Livre foi por assinada por Dona Isabel, em 28 de setembro de 1871. Essa lei dava "liberdade" aos bebês, filhos das mulheres escravizadas no Brasil. Segundo, essa lei a criança deveria ser criada pelo proprietário de sua mãe até os 8 anos de idade. Nessa idade, o senhor deveria escolher entre receber do Estado 600 mil réis de indenização ou utilizar-se do serviço escravo da criança até seus 21 anos. (SENADO, 1888)
A Lei do Sexagenário foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 1885. "Eram libertados os escravos que completassem 60 anos, com a obrigação de prestarem serviços, a título de indenização ao senhor, pelo prazo de três anos. O maior de 65 anos ?cava liberado de tais trabalhos" (SENADO, 1888, p. 2).
Agora, voltemos à nossa questão, levantada acima. Deve-se lembrar que nenhuma reparação foi dada pelos 300 anos de escravidão aos 800 mil negros em situação de escravos em 1888. E, seus descendentes sofreram diretamente as consequências da desigualdade social e econômica. Pois, desde a Lei Eusébio Queiroz, o Império vinha incentivando a imigração de trabalhadores europeus. Que passaram a substituir a mão-de-obra agrícola dos negros escravizados, sob o regime do trabalho assalariado. Também é dessa época a Lei de Terras, lei que fixou os preço das terras a um patamar inalcançável para o poder aquisitivo de um escravo recém liberto. Sem terra, sem trabalho e sendo discriminada, a população negra brasileira conseguiu avançar ao longo desses 125 anos sem nenhuma lei específica que a beneficiasse.
Mas, recentemente, tivemos aprovadas duas leis que são conquistas da população negra. A Lei de Cotas de 2012 que reserva vagas para estudantes afro-brasileiros nas universidades federais; e a Lei 10639 de 2003 que torna obrigatório o ensino e a valorização da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas públicas e particulares de educação básica e no ensino médio. Essas leis são a aposta de que a Educação é o principal caminho para a diminuição das desigualdades sociais pós-abolição. Serão esses jovens da futura geração que terão a missão de pensar novas medidas de ordem econômica e política que poderão minimizar o produto dos mais de 350 anos de escravidão.
IBGE. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de janeiro: IBGE, 2000. Apêndice: Estatísticas de 500 anos de povoamento.
(disponível em http://brasil500anos.ibge.gov.br/ visitado em 12 de maio de 2013)
SENADO. Jornal do Senado. Rio de Janeiro: 14 de maio de 1888.
(disponível em http://www.senado.gov.br/noticias/jornal/arquivos_jornal/arquivosPdf/encarte_abolicao.pdf visitado em 12 de maio de 2013)
Para saber mais acesse a entrevista sobre Consciência Negra: